Thursday, August 05, 2004

 

O Abandono do Património Arqueológico Subaquático no Brasil: um Problema para a Arqueologia Brasileira

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Entrevista dada há algum tempo por Gilson Rambelli, arqueólogo subaquático brasileiro, mas ainda bastante actualizada, sobre as dificuldades sentidas por esta disciplina para se afirmar num país com uma riqueza patrimonial incrível.

Biografia...

"...Rambelli foi um dos primeiros a se dedicar a este tipo de pesquisa no Brasil e, há mais de dez anos, esforça-se para provar a viabilidade e a importância da Arqueologia Subaquática no Brasil. "Por ações em defesa do patrimônio arqueológico brasileiro", Rambelli recebeu o Prêmio João Alfredo Rohr da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB). A premiação aconteceu durante o XI Congresso da SAB, realizado na cidade do Rio de Janeiro, em setembro último. Mais do que um reconhecimento pessoal, Rambelli vê no prêmio uma prova de aceitação da arqueologia realizada em áreas submersas. "O prêmio significa uma aceitação da comunidade científica para a Arqueologia Subaquática", diz. "É o reconhecimento de um trabalho sério, um trabalho de anos de lutas, de desgaste".

O envolvimento do pesquisador com a Arqueologia Subaquática começou no final da década de 1980, quando ele ainda estudava História na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e fazia um estágio no MAE. Na época, praticamente não existiam referências sobre o tema no Brasil. Havia, então, apenas o interesse de mergulhadores em naufrágios para a exploração de peças para venda ou souvenirs, os chamados ‘caçadores de tesouro’, que causam danos irrecuperáveis aos sítios.

Rambelli teve dificuldades para iniciar-se nas pesquisas subaquáticas, já que não encontrou no País quem realizasse explorações com a necessária seriedade científica. Em 1989, o então estudante visitou a França onde conheceu o diretor do Centro Nacional de Arqueologia Subaquática que o aconselhou a terminar a sua graduação e depois retornar para especializar-se. Rambelli terminou o curso de História e em 1992 embarcou para a Europa onde ficou por nove meses. Na França, descobriu que era possível fazer arqueologia subaquática com a mesma seriedade das pesquisas em superfície. Verificou também que o custo de projetos em áreas submersas não era alto como se imaginava no Brasil.

Rambelli voltou ao Brasil em 1993 e decidiu iniciar um mestrado. Seu projeto era provar a viabilidade da Arqueologia Subaquática em águas nacionais. Para isso, o pesquisador aderiu a um grande programa de pesquisas arqueológicas no Baixo Vale do Ribeira (SP), coordenado pela professora do MAE, Maria Cristina Mineiro Scatamacchia. O projeto de Maria Cristina buscava entender os padrões de ocupação da região. A pesquisa de Rambelli ajudou nesta tarefa, estendendo os estudos das áreas em terra para as áreas submersas próximas.

Depois do fim do mestrado, Rambelli partiu para um novo desafio. O seu atual projeto, um doutorado, apoiado pela Fapesp, é criar uma Carta Arqueológica dos sítios submersos em Cananéia, onde realiza uma minuciosa busca entre as Ilhas Comprida, do Cardoso e do Bom Amigo. Rambelli deve apenas cadastrar os sítios, "com o mínimo de intervenção possível". A intenção é não prejudicar possíveis pesquisas futuras. Para conseguir atingir sua meta, o pesquisador conta com a ajuda de jovens arqueólogos do MAE — formados por ele em arqueologia subaquática —, de diversos colaboradores e também de outras unidades da USP, como o Instituto Oceanográfico (IO) e o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), que desenvolveu um equipamento para as buscas, além do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)."...

http://www.usp.br/agen/bols/1998_2001/rede870.htm



A arqueologia subaquática no Brasil - a sua problemática

Por Gilson RAMBELLI

O objetivo desta nota é chamar atenção à problemática que envolve a preservação do patrimônio arqueológico subaquático no Brasil e, também, apontar possíveis soluções aos problemas a serem aqui levantados, na tentativa de reverter o quadro de abandono que se encontram esses bens culturais sob nossas águas (marítimas e/ou interiores).

O patrimônio que se encontra no fundo das águas está sujeito a uma violação ainda maior do que aqueles que se encontram em superfície. Existe uma depredação contínua, sobretudo dos naufrágios marítimos, proveniente da pouca importância dada a esses bens culturais por parte dos órgãos responsáveis pela gestão patrimonial nacional. Consequentemente, esta situação é caracterizada por uma total falta de conscientização do público comum, quanto à importância desse patrimônio. Desta forma, mergulhadores - amadores e/ou profissionais - caçadores de tesouros ou não, que visitam constantemente muitos desses sítios, consideram esses bens culturais como alvo fácil e desprotegidos, frutos de suas descobertas pessoais.

Como lidar com este desrespeito patrimonial?

Com um litoral que se estende por mais de 8.500 Km, palco de milhares de naufrágios em quase 500 anos de história trágico-marítima, com águas interiores que representam uma das maiores redes fluviais do mundo, temos uma certeza: o Brasil desconhece os bens culturais submersos em suas águas.

Quanto se perdeu e ainda se perde de informações importantíssimas para a arqueologia brasileira (pré-histórica e histórica)? Quantos sítios arqueológicos se encontram, por um motivo ou outro, encobertos pelas águas? E as represas, qual o impacto delas sobre o estado de conservação dos sítios arqueológicos?

Enquanto em vários países do mundo os arqueólogos aprenderam a mergulhar com o objetivo explícito de estender o alcance de suas pesquisas científicas ao ambiente aquático, no Brasil, só o fato de se pensar no objeto de pesquisa embaixo d’água, acabou por se criar universos distintos entre a ciência e a aventura submarina. Tal atitude, fortemente baseada na desinformação sobre a arqueologia brasileira - visto que a arqueologia subaquática hoje, nada mais é que a arqueologia praticada no ambiente aquático -, e na ineficácia da legislação - lei n° 7.542 de 1986 com Portaria Interministerial (Ministério da Marinha e Ministério da Cultura) n° 69, de 23 de janeiro de 1989, que enfatiza serem todos os bens artísticos, históricos e arqueológicos encontrados submersos pertencentes à União, contudo, não deixa claro o que é um sítio arqueológico submerso, e menos ainda, o por quê das diferenças entre os bens submersos e os bens encontrados em superfície. Desta forma, foram beneficiados diretamente os mergulhadores aventureiros, que acabaram dominando por completo o acesso ao patrimônio submerso. Este domínio é tão marcante, que muitos deles se ofendem quando sabem de nossas intenções preservacionistas em relação ao patrimônio submerso, por o considerarem suas propriedades particulares.

Para se ter uma idéia da gravidade do problema, existem as depredações clandestinas justificadas na obrigatoriedade da lei, da necessidade de se entregar os objetos retirados à União, e também as depredações que podemos chamar de oficiais, pois é muito comum a deliberação de autorização para explorações dos bens culturais submersos pela própria Marinha do Brasil, responsável pela legislação vigente, sem a exigência preliminar de um projeto coerente de pesquisa sistemática com base metodológica, acabando por favorecer empresas e grupos particulares de atividades submarinas, totalmente despreparados de quaisquer formações necessárias para tais intervenções.

Sendo assim, não podemos mais permitir que estes abusos prejudiciais ao patrimônio se mantenham como se fossem problemas alheios aos demais encontrados em superfície. É dever de todos nós arqueólogos incluirmos em toda a temática preservacionista do patrimônio, os bens culturais submersos. Do contrário, enquanto houver essa lacuna entre "versão seca" e "versão molhada" do patrimônio, numerosos sítios arqueológicos submersos estão desaparecendo literalmente sob nossos olhos.

Cabe ressaltar, para um maior esclarecimento, diante desta diferença de atitude patrimonial, que o patrimônio arqueológico subaquático não se resume aos navios afundados nos oceanos como enfatizam nossa legislação e a mídia senssacionalista. Ele é constituído por todos os bens móveis ou imóveis, testemunhos de uma ação humana situados inteiramente ou em parte no mar, nos rios, nos lagos, nas lagoas, nos cais, nas valas, nos cursos de água, nos canais, nas represas, nos reservatórios artificiais, nos poços e outros planos de água, em zonas de maré, manguezais, ou quaisquer outras zonas inundadas periodicamente, ou recuperados num tal meio, ou encontrados em margens atualmente assoreadas.

Outro problema relativo aos ataques a esse patrimônio é a questão da conservação dos objetos retirados do ambiente aquático. Eles necessitam de tratamento especial logo que tomam contato com a superfície, para não se deteriorarem. Assim, é vítima de um processo duplamente destrutivo: quando o objeto é arrancado de seu contexto; e quando desaparece por completo. Infelizmente, é muito comum entre mergulhadores que se divertem nos finais de semana arrancando peças de navios, o abandono de seus souvenirs nas lixeiras dos clubes náuticos logo após desembarcarem da aventura, ou com certeza alguns dias mais tarde nas lixeiras de suas casas. Já a depredação feita por grupos organizados - nacionais e/ou estrangeiros - de caça ao tesouro, não seguem esta regra, pois são equipados com o que há de melhor no mercado para garantir a integridade desses objetos, valorizando-os no mundo dos colecionadores.

Como podemos perceber, a triste realidade subaquática brasileira é crítica. Por isso, não podermos continuar nesta distinção ao patrimônio cultural que se encontra submerso. O que fazer então? E como fazê-lo?

Existe no quadro de comitês internacionais do ICOMOS (International Council on Monuments and Sites), o Comitê Internacional do Patrimônio Cultural Subaquático (ICUCH - International Committee on the Underwater Cultural Heritage), que se ocupa das discussões sobre o patrimônio internacional submerso. E é com base nos objetivos descritos em suas regras de procedimentos, que acreditamos poder reverter aos poucos este processo destrutivo que envolve o nosso patrimônio aquático.

Para uma melhor compreensão desses objetivos citados, apresentaremos na íntegra a tradução do item 3, referente ao Objetivo contido nas Regras de Procedimentos do ICOMOS - Comitê Internacional do Patrimônio Cultural Subaquático:

3. Objetivo

O objetivo particular do comitê é promover a cooperação internacional em identificar, proteger e conservar os sítios de patrimônio cultural subaquático e avisar o ICOMOS do desenvolvimento e implementação de programas nesse campo.

3.1 O objetivo do Comitê inclui, mas não está limitado a:

3.1.1 Estímulo ao interesse internacional e conservação do patrimônio cultural subaquático mundial associado ao governo e instituições privadas, profissionais liberais e ao público em geral.

3.1.2 Promover o inventário sistemático do patrimônio cultural subaquático mundial.

3.1.3 Desenvolvimento e promoção de estratégias efetivas para conservação, manejamento e apresentação do patrimônio cultural subaquático mundial.

3.1.4 Promover métodos de aperfeiçoamento e critérios para localização, exploração, registro e intervenção em sítios de patrimônio cultural subaquático.

3.1.5 Estabelecimento de critérios para o treinamento e qualificação de profissionais envolvidos com a conservação e o manejamento de sítios de patrimônio cultural subaquático.

3.1.6 A troca de experiência e perícia na conservação (preservação) de sítios de patrimônio cultural subaquático.
http://www.naya.org.ar/articulos/submar03.htm

Contactos do Gilson: rambelli@amhanet.com.br ou arqsub@yahho.com.br

Mais sobre arq. sub. no brasil:

http://www.naufragiosdobrasil.com.br/livroarqueologia.htm

http://www.naufragios.com.br/

http://www.naufragios.com.br/arqbr.htm









Comments:
Caro amigo penso que também a arqueologia portuguesa não goza de boa saúde, não por culpa dos arqueólogos mas por falta de apoios das entidades que deviam incentivar este ramo da ciência. O estado português não incentiva a busca e a preservação do nosso património histórico e cultural, pelo contrario ao longo da nossa costa são muitos os exemplos de abandono quer das estações arqueológicas em terra quer das que se encontram no mar. António Lemos: http://marevolto.blogs.sapo.pt/
 
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