Sunday, November 27, 2005

 

A conturbada viagem do Destroyer ao Brasil

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Do Fundo do Mar
By Elísio Gomes Filho
November 27, 2005



Em separata do anuário sueco Daedalus, publicada em 1962, o professor Bengt Hildebrand reproduz uma curiosa narrativa feita por um certo Nils Fock.


Trata-se de uma viagem à América do Sul realizada em 1893, a bordo do Destroyer, um navio que foi adquirido pelo governo de Floriano Peixoto, quando estava às voltas com uma séria revolta que eclodiu dentro de sua Marinha de Guerra do Brasil: a Revolta da Armada.


Nils Fock apresentara-se como oficial da Marinha sueca, mas, pelo número de profissões que diz ter exercido, tudo indica que ele era um experiente e culto aventureiro. Depois de prestar serviços diversos na Alemanha, na Argélia, na Suécia e na Grã-Bretanha, em 1893 era engenheiro ou técnico no setor de armamento de The Pneumatic Gun Co. , em Nova York.


Na efervescente cidade norte-americana, Nils Fock foi convidado pelo ministro brasileiro Salvador Mendonça para ser o artilheiro-chefe do Destroyer, o qual teria um fim melancólico nas águas do Brasil. É preciso que se diga que a aventurosa narrativa de Nils Fock encontra-se repleta de informações inverídicas, mas tentaremos depurá-la quando possível.


Torna-se interessante compará-la a outra descrição da viagem do Destroyer e que foi feita por outro grande aventureiro, o famoso navegador Joshua Slocum. Em um livro publicado, “Viagem do Destroyer de Nova York ao Brasil” (Imprensa de Robinson Printing Co., 1894) Joshua Slocum, narra suas aventuras no Destroyer, onde teria vindo ao Brasil como “navegador em comando”. A primeira edição do livro se tornou rara, uma vez que de 500 exemplares, só se conhece a existência de três.


Jhon Ericsson, inventor do "Destroyer" e do USS Monitor.

A Esquadra de Papelão de Floriano Peixoto
Segundo Nils Fock, o Destroyer era uma invenção recente de um conterrâneo seu, o célebre Jhon Ericsson e que foi construído em caráter experimental, mas que não apresentando resultado satisfatório, a Marinha do EUA abandonara-o. Mas de acordo com as informações do apêndice do livro do pesquisador Hélio Leôncio Martins (A Revolta da Armada), o Destroyer era uma embarcação que estava sendo testada nos EUA, pois era semi-submersa, isto é, ao aproximar-se do inimigo afundava, mantendo acima do nível apenas 45 cm de obras mortas.


Dispunha de um canhão de aço, com 10 metros de comprimento, que ficava 2,13 metros abaixo da linha d’água e disparava projetis com 300 libras (150kg) usando dinamite como explosivo. Tinha o projétil, 27 pés (8,23 metros) de comprimento e 10 polegadas de diâmetro, pesava 1.525 libras (762 kg) e tinha alcance de 200 metros. Era na verdade, um torpedo com propulsão de canhão.


Cabe informar que na ânsia em que estava o governo de Floriano Peixoto de formar rapidamente uma esquadra que viesse a combater os revolucionários, adquiriu o Destroyer – um tipo de navio semi-submarino, e que certamente aos olhos dos brasileiros vinha apresentar algum valor militar.


Ora, o ministro do Brasil nos EUA, Salvador Mendonça, e o almirante Joaquim Francisco Abreu, na Europa, procuravam adquirir os navios de guerra, ou capazes de serem armados, encontrados onde fosse possível. Mas pela capacidade ofensiva, deu-se prioridade na aquisição das novas torpedeiras, que com seus torpedos automóveis - segundo idéia preconizada pelo almirante francês Aube - podiam vencer os navios encouraçados.


Os brasileiros também eram atraídos por equipamentos e armas experimentais (prometendo, segundo seus inventores, resultados surpreendentes), que estavam sendo desenvolvidos em diversos países. E as unidades que iam conseguindo comprar seguiam para Pernambuco, com guarnições internacionais contratadas.


A primeira aquisição que formaria a esquadra legal e que seria batizada pelos revoltosos de Esquadra de Papelão – foi o caça-torpedeiro Aurora, construído em estaleiros ingleses, e que foi rebatizado com o nome de Gustavo Sampaio, em homenagem ao tenente do Exército que fora atingido e morto na Fortaleza da Laje. Era o melhor navio da esquadra de Floriano, do tipo que já estava sendo construído nos países mais adiantados.

Transportando lama para o Brasil
Pelas informações de Nils Fock, as condições de navegabilidade do Destroyer eram precárias, mas foram feitos alguns reparos e tratou-se de contratar uma guarnição para levá-lo até o Brasil, constituída, em sua maioria, por escandinavos. No convés do Destroyer, por não merecer muita confiança o tal canhão submerso, instalaram dois canhões de tiro rápido, de 37 mm, e um tubo lança-torpedos.


Transformaram então a invenção de Jhon Ericsson numa “torpedeira-submarino”. Reunida a tripulação, o ministro Salvador Mendonça apresentou-a ao comandante, também contratado, o tenente Buck (possivelmente, um norte-americano).


Conta Fock que como continuavam as dúvidas sobre as qualidades náuticas do Destroyer, decidiram que seria melhor rebocá-lo até a ilha de Fernando de Noronha, arvorando a bandeira dos EUA, onde seria trocada pela nacional, continuando o navio com a viagem com seus próprios meios até Recife.


Na primeira experiência feita ainda em Nova York, o comandante Buck pediu “máquinas adiante, toda a força”, a fim de verificar que velocidade o barco alcançaria. Ao tentar pará-lo, dando atrás, o maquinista, entorpecido por uísque, enganou-se e ainda mais o acelerou, fazendo o navio chocar-se com violência contra um cais de madeira, fazendo ir pelos ares, pranchas de madeira e pessoas ao mar. O estado em que então ficou o Destroyer era deplorável. Encontrava-se, afundado, cheio de lama fedorenta, apresentando uma pá da hélice solta e os canhões tomados de água. Posto a flutuar, ligeiramente reparado, fez-se novamente ao mar, agora rumo ao sul, sendo rebocado pelo Santuit.


O que vinha caracterizar o Destroyer, era a emanação do cheiro fétido da lama, proveniente do fundo do rio Hudson, a qual não foi retirada. Por medida de segurança, a tripulação seguia no rebocador Santuit, evitando principalmente, o cheiro insuportável que impregnava o Destroyer.

O Destroyer acabou sendo alvo do Timbira
O humor do comandante Buck também não era lá dos melhores, especialmente porque seu estoque de uísque havia sido furtado. Um temporal que pegaram pelo caminho, piorou o que já era ruim. O Destroyer deixou de ser avistado e, temendo o que pudesse acontecer com o rebocador Santuit, o comandante Buck resolveu cortar o cabo de reboque, o que só não foi feito, devido à intervenção de Nils Fock, que lhe apontou um revólver, que segundo afirmou, estava descarregado. O tempo melhorou. O sueco Fock foi então a bordo do Destroyer e encontrou-o alagado, com as bombas de esgoto inutilizadas. Com esforço, conseguiu esgotar parte da água e foi possível continuar a viagem até a ilha de Martinica, onde arribaram para que o navio passasse por indispensáveis reparos.


No dia de Ano Novo de 1894, a torpedeira-submarino de Floriano Peixoto largou de Martinica, rumando em direção a Fernando de Noronha, onde encontrou as velozes torpedeiras adquiridas na Alemanha. E de acordo com a narrativa de Nils Fock, o Destroyer, então já nacionalizado, arvorando a bandeira brasileira, rumou para o porto de Recife.

Mas cabe corrigir o que disse Fock, uma vez que no dia 26 de janeiro de 1894, entrou pela barra de Recife o paquete América, incorporado com o nome de Andrada e transformado em cruzador-auxiliar, o qual foi fortemente artilhado. Vinha esse navio de 1.877 toneladas, rebocando duas torpedeiras, uma de porto, a Sabino Vieira, e a outra, o Destroyer, cujo nome foi mudado para Piratini.


Voltando a narrativa de Nils: Em Recife, a inspeção do Destroyer foi feita pelos almirantes João Duarte de Gonçalves e para surpresa geral (é o que Nils Fock quem assim o diz), os brasileiros consideraram o Destroyer em condições de navegar e, mesmo, de entrar em combate. E como o comandante Buck conseguira repor o seu estoque de uísque e que dele usava e abusava, a confiabilidade em sua eficiência, que já não era muito grande, desaparecera completamente. E assim fora destituído e colocaram em seu lugar, nada menos do que o Nils Fock. Daí por diante, pode-se bem avaliar os vôos da imaginação de Fock. Afirma que foi promovido a capitão-de-fragata, recrutou uma guarnição de índios e, em viagem plena de aventuras, veio até o Rio de Janeiro, o que nunca aconteceu com a Piratini.


Nils Fock ainda teve a ousadia de registrar que na barra da Guanabara, tentou interceptar o Aquidabã, a unidade mais poderosa da esquadra rebelde, que conseguiu escapar. Recebeu em seguida, grandes homenagens, condecorações e, das mãos do presidente Floriano Peixoto, um cheque incobrável. Depois da aventura no Brasil, Nils Fock, viveu outras, e retornou para a Suécia, vindo a falecer no ano de 1925.


Mas em verdade, em pleno desacordo com o que narrou o sueco, bem que se tentou a incorporação da Piratini à força naval de Peixoto. O seu comandante brasileiro, capitão-tenente Alexandre Batista Franco, se esforçou, mas a participação da Piratini foi efêmera, uma vez que o navio devido ao seu mal estado teve que regressar a Salvador, depois de apenas um dia de navegação.


Em 1898, o cruzador-torpedeiro Timbira afundou o que restava do seu casco, o qual teria quase quarenta metros de comprimento, por cerca de quatro de largura.


Elísio Gomes Filho é historiador, sendo responsável pelo site www.nomar.com.br (Historiadores do Mar)

Fonte bibliográfica consultada: A Revolta da Armada, de Hélio Leôncio Martins, Bibliex, Rio de Janeiro, 1997.


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www.dofundodomar.blogspot.com

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