Sunday, November 20, 2005
O tesouro da remota ilha de Trindade, a verdade atrás da lenda
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By Elísio Filho
November 20, 2005
No final do século dezanove e do início aos meados do século XX, navios tripulados por homens bastante sonhadores rumaram para a deserta e misteriosa ilha de Trindade, situada ao largo do estado do Espírito Santo (Brasil), na esperança de descobrirem um fabuloso tesouro que havia sido supostamente escondido por piratas. No final do século XIX, alguns escritores estrangeiros relataram sobre a existência desse tesouro e sobre algumas expedições que procuraram encontrar as grandes riquezas que então se diziam que jaziam enterradas na montanhosa ilha que fora descoberta pelos portugueses em 1503. Entre os escritos, podemos citar: “The search for hidden treasure Story if the Expedition”, por Victor de Hammel, que o publicou no Tyneside Echo em 20 de julho de 1885. Mas um livro “ The cruiser of the Falcon. A Voyage to South América”, viria a ser escrito por aquele que se tornaria o mais conhecido entre os caçadores do tesouro de Trindade, o inglês E. F. Knight.
Ora é preciso que se diga que geralmente os bandidos do mar ficavam longe do produto de seus roubos. Só em situações extremas, é que eles vinham a escondê-lo, para logo em seguida, recuperá-lo, tal como aconteceu provavelmente com o tesouro do corsário inglês Thomas Stradling, capitão do Cinq Ports, o qual entrou para a História, ao protagonizar em 1704, o exílio na remota ilha de Juan Fernandez, de Alexandre Selkirk. As lendas dos tesouros escondidos em ilhas espalhadas pelo mundo não são poucas e entre elas, encontra-se a da ilha de Trindade, cujo tesouro, muitos homens sonharam e até morreram. Recentemente os escritores Cameron Platt e John Wrigth lançaram a obra “Theasure Islands: The fascinating world of pirates, buried treasure, and fortune hunters”, onde relacionam a ilha Coco da Costa Rica, a ilha Oak do Canadá, a ilha Agrihan do arquipélago das Marianas, a ilha Lord Howe da Austrália, as ilhas Gasparillas e Galveston do Golfo do México, a ilha Mahe do arquipélago das Seichelles, a ilha Balambangan da Malásia, as ilhotas de Shoals da Nova Inglaterra e também a ilha de Trindade, no Brasil.
J. M. Racaut em: “Pirates and writers at the beginning of the 18th century: Utopian projects and ideal micro-states in the Indian Ocean”, um livro publicado em 1994, faz uma relação entre lendas sobre os corsários que infestaram os mares do Caribe e do Oceano Índico e as utopias insulares dos séculos XVII e XVIII. A busca de tesouros escondidos por piratas em ilhas, mais de um século depois do livro de Stevenson - A Ilha do Tesouro - continua a atrair a atenção de numerosos aventureiros à procura dos lendários tesouros escondidos. Para Racaut, a miragem do ouro, é apenas uma parte da lenda dos piratas, que, no entanto, inclui o sonho exótico da liberdade política, a fuga para longe, livre de todo controle das rígidas sociedades européias da época.
Diga-se de passagem, que a procura dos tesouros perdidos, escondidos ou afundados depois das batalhas navais por piratas e flibusteiros que infestavam as Antilhas no século XVII tornou-se um dos grandes temas da literatura de aventuras. Um tema que acabou por romper a barreira entre o imaginário e o real. Não se passa um ano sem que os aventureiros modernos não procurem e não pensem ter encontrado um desses tesouros escondidos.
O tesouro da fragata Thetis e os valhacoutos dos piratas
Ora, muitas são as lendas secundárias sobre tesouros que foram escondidos em certos pontos do litoral do Brasil. A zona costeira do Maranhão, por exemplo, em parte por suas peculiares condições topográficas, propiciou a criação de um repertório de lendas, com alusões a piratas e tesouros. Dividindo a entrada da pequena baía de Alcântara em duas passagens, encontra-se a ilhota do Livramento. Na ponta que avança para a baía de São Marcos, o terreno eleva-se abruptamente num promontório em cuja base o mar esculpiu uma caverna, tal como outras existentes na costa brasileira, mas com mistérios suficientes para excitar as imaginações. Conta uma lenda, que um pirata, perseguido por navios portugueses, acabou perdendo seu barco no famoso baixo dos Atins (ou Coroa dos Ovos, local onde naufragou em 1863, o Ville de Boulogne, vitimando o poeta Gonçalves Dias), mas conseguiu escapar numa chalupa, alcançando então a ilhota do Livramento. Nesta, escondeu o seu tesouro na tal caverna, que reza a lenda, ele e seus companheiros teriam escavado, ao invés do mar, voltando mais tarde para retirá-lo. Como não deixaria de acontecer, algumas pessoas acreditando na antiga fábula, e agarrando-se à esperança de ali encontrar algumas moedas de ouro e pedras preciosas, esburacaram o interior da caverna que, somente com alguma dificuldade, e na baixa-mar, oferece acesso aos curiosos. No entanto, os buracos abertos se apresentaram tão vazios como essa lenda.
Ora, muitas são as lendas secundárias sobre tesouros que foram escondidos em certos pontos do litoral do Brasil. A zona costeira do Maranhão, por exemplo, em parte por suas peculiares condições topográficas, propiciou a criação de um repertório de lendas, com alusões a piratas e tesouros. Dividindo a entrada da pequena baía de Alcântara em duas passagens, encontra-se a ilhota do Livramento. Na ponta que avança para a baía de São Marcos, o terreno eleva-se abruptamente num promontório em cuja base o mar esculpiu uma caverna, tal como outras existentes na costa brasileira, mas com mistérios suficientes para excitar as imaginações. Conta uma lenda, que um pirata, perseguido por navios portugueses, acabou perdendo seu barco no famoso baixo dos Atins (ou Coroa dos Ovos, local onde naufragou em 1863, o Ville de Boulogne, vitimando o poeta Gonçalves Dias), mas conseguiu escapar numa chalupa, alcançando então a ilhota do Livramento. Nesta, escondeu o seu tesouro na tal caverna, que reza a lenda, ele e seus companheiros teriam escavado, ao invés do mar, voltando mais tarde para retirá-lo. Como não deixaria de acontecer, algumas pessoas acreditando na antiga fábula, e agarrando-se à esperança de ali encontrar algumas moedas de ouro e pedras preciosas, esburacaram o interior da caverna que, somente com alguma dificuldade, e na baixa-mar, oferece acesso aos curiosos. No entanto, os buracos abertos se apresentaram tão vazios como essa lenda.
A costa de Maricá (RJ), também tem sua lenda de tesouro escondido por piratas, tal como acontece com a paradisíaca ilha Grande(RJ) e com a ilha de São Sebastião(SP), mas esta, localizada no litoral paulista – também é conhecida por conta de seus numerosos naufrágios. Contam às crônicas que os abrigos das ilhas Maricás, da ilha Grande(RJ) e da ilha de São Sebastião(SP), constituíam-se em excelentes valhacoutos de piratas.
A ilha do Cabo Frio, situada na costa de Arraial do Cabo (RJ), também tem sua lenda de tesouro escondido, mas encontra-se relacionada com um tesouro real que começou a ser recuperado a partir de 1831, o qual encontrava-se entre os destroços da fragata inglesa Thetis, naufragada naquela ilha em 5 de dezembro de 1830. Diz a lenda cabista, que moedas de ouro e prata foram desviadas e enterradas pelos marinheiros ingleses, em algum ponto da praia da ilha. Outra curiosa lenda sobre tesouros escondidos, mas também não relacionada a piratas, diz que em alguma parte do litoral da cidade de Cabo Frio, estaria escondido o ouro dos inconfidentes mineiros. Reza a lenda que esse ouro seria usado para o pagamento de tropas mercenárias estrangeiras que lutariam contra as forças coloniais portuguesas. E outra lenda, a ser contada pelos antigos moradores da cidade de Armação dos Búzios, diz que negros escravos teriam escondido um tesouro na praia do Forno, a antiga praia dos Pretos.
As lendas e mitos relativos às serpentes descomunais da ilha do Marajó e em outras regiões continentais “insularizadas” da Amazônia estão associadas à guarda de grandes tesouros.
Mas é preciso então que se formule, as seguintes perguntas. Qual teria sido a origem da existência do tão famoso tesouro da ilha de Trindade? Como teria surgido o boato de que esse tesouro teria sido escondido justamente na mais remota ilha brasileira? Engendrando resumidamente as respostas, então nos depararemos com os elementos da gênese e da difusão da lenda.
O tesouro foi enterrado na ilha do Coco ou em Trindade?
Ora, tudo indica que a lenda do tesouro de Trindade encontra-se relacionada com lenda da ilha do Coco, localizada a 550 km do litoral de Costa Rica e que seduziu muita gente, muito mais do que a lenda de Trindade, a qual encontra-se a 1100 quilômetros (620 milhas) de distância da costa do Espírito Santo. O historiador costarriquenho Raúl Arias afirma que na ilha do Coco estão enterradas 24 caixas de ouro, que foram roubadas da catedral de Lima em 19 de outubro de 1820. Mas a Enciclopédia Portuguesa Ilustrada de Maximiliano Lemos, informa que o tesouro de Trindade, também fora proveniente de saques feitos nas igrejas de Lima por espanhóis fugitivos por ocasião da revolução contra o domínio hispânico. E outra versão difundida, fruto de mentes fantasiosas, diz que o vice-almirante Thomas Alexander Cochrane, o Lord Dundonald - comandante da esquadra chilena - apropriou-se de uma grande quantidade de ouro, prata e pedras preciosas que pertenciam a Catedral de Lima. Ora, diz-se que com o saque, tinha o escocês Dundonald, o objetivo de manter o seu exército, assim como o de San Martín. Porém, ao ser abordado por piratas, Dundonald foi obrigado a entregar o produto de sua valiosa pilhagem. Os tais piratas, que esconderam o tesouro em Trindade, acabaram mais tarde sendo presos pelos espanhóis e enforcados em Havana, sem que revelassem o local onde o tesouro se encontrava.
Quanto ao boato de ter sido a ilha brasileira escolhida para receber o tal tesouro peruano, teria partido da boca de um indivíduo anônimo que dizia ter sido companheiro dos piratas que morreram enforcados em Cuba. Tratava-se de um homem reservado, bem educado em relação aos outros marinheiros e possuidor de um bom conhecimento de navegação: foi o que o que Knight, interessado em achar o tesouro de Trindade conseguiu descobrir e mais: o tal indivíduo que parecia ser de origem russa, trabalhava num navio inglês que fazia o transporte de ópio para a China e o qual antes de morrer em 1848, num hospital de Bombaim, revelou o segredo ao seu capitão (cujo nome se desconhece, Knight apenas revela que seu nome começa com a letra P e que já aposentado, vivia perto de Newcastle). O moribundo mostrou ao capitão inglês através de uma planta, onde ele e seus companheiros em 1821 haviam enterrado o tesouro debaixo da montanha do Pão de Açúcar, na ilha de Trindade, e antes de morrer disse que o tesouro faria daquele capitão, um dos homens mais ricos da Inglaterra.
Os tripulantes da Áurea, os primeiros a cair no conto do vigário
O que o sonhador Knight conseguiu obter e assim acreditar, parece mais com um típico drama narrado nos velhos romances-folhetim. E tem mais, ele obteve a informação de que no ano de 1880, o tal capitão aposentado, enviou a bordo de um bergantim batizado de John, o seu filho (cujo nome também se desconhece), a fim de que explorasse a ilha de Trindade, o qual só a nado logrou chegar em terra firme. Voltou a bordo do bergantim no dia seguinte, mas depois de haver verificado a sinceridade da descrição daquele marinheiro, com a diferença, porém, de que o local em que segundo a planta devia estar o tesouro, estava obstruído pelo desmoronamento de terras vermelhas.
Tudo indica que a expedição do Jhon, assim como da existência do marinheiro morto em Bombaim e do segredo que ele teria revelado, não passam de elementos ficcionais. Mas seja como for, a miragem do ouro é contagiante. E basta que um conto fantasioso sobre tesouros escondidos, como acima tenha sido engendrado, venha acender nos homens a chama da cobiça, de modo que se encontra devidamente registrado, a chegada em Trindade, no dia 25 de março de 1885, da barca inglesa Áurea, cujos tripulantes ali ficaram até 17 de abril, sendo obrigados a abandonar a ilha, sem que pudessem obter qualquer resultado positivo. Ali, oito homens da Áurea adoeceram de febre, sendo que dois morreram.
Uma dispendiosa expedição de caça ao tesouro
E assim, de 1885 em diante, se registra a ida de outras expedições exclusivamente destinadas a achar o tal tesouro enterrado em Trindade. E por mais que tenham esburacado a ilha e removido toneladas de rochas vulcânicas, tudo foi em vão. E se conseguiram desenterrar alguma coisa, não passou de vestígios arqueológicos oriundos de exploradores, navegadores e colonizadores que desembarcaram em Trindade em tempos passados. Comprovações disso, não nos faltam. Por exemplo, em 15 de abril de 1700, ali aportou o astrônomo inglês Edmund Halley, que efetuava importante viagem científica e que fez da ilha, uma possessão de Sua Majestade britânica. E as incursões inglesas, vieram alertar a coroa portuguesa, de modo que na segunda década do século XVIII, se teve o objetivo de fortificar e colonizar a ilha. São conhecidas gestões para que Aires Saldanha fizesse tentativas nesse sentido, mas não se conquistou qualquer resultado prático. Fato interessante ocorreu em 1756, quando do Rio de Janeiro foi enviado em direção de Trindade, um grupo de soldados a bordo do navio Nossa Senhora de Bonsucesso, sob o comando de Manoel Lessa. Mas no dia 16 de dezembro tiveram que regressar, uma vez que não acharam a ilha.
No ano de 1781, Trindade foi invadida pelos ingleses, durante a guerra entre a Inglaterra e a Espanha, que ali estabeleceram um reduto, mas que foi logo abandonado. No dia 9 de outubro daquele ano, o sargento-mór João de Abreu, inventariou as armas que os ingleses haviam abandonado em Trindade. Suponha-se que o governo inglês ordenara ocupar Trindade com o objetivo de ali estabelecer um entreposto destinado ao contrabando que se fazia à sombra do seu comércio com as províncias espanholas do Rio da Prata, depois que a coroa portuguesa cedeu para a Espanha, a colônia de Sacramento.
Em 1782, os portugueses começam a ocupar militarmente a ilha, mas ao cabo de doze anos, a coroa resolveu desguarnecê-la.
A lenda do tesouro, como a própria ilha de Trindade que no passado foi alvo de constante disputa entre ingleses e portugueses, excita a imaginação e desperta a cobiça daqueles que se predispõem a caçar tesouros fictícios ou não. Em 1881, o nosso já conhecido E. F. Knight que estivera por nove dias na ilha de Trindade, quando em viagem a bordo do Falcon, sabendo mais tarde sobre o boato da existência do tal tesouro, organizou uma expedição bem equipada que despertou tanto entusiasmo, que dos seus treze companheiros, nove, além de serem voluntários, tiveram que tirar dinheiro do bolso para tomar parte na exploração, ficando com direito à partilha do tesouro, é claro se ele fosse achado.
O tesouro guardado por vorazes caranguejos
Logo após o desembarque, Knight ordenou aos seus homens que levantassem um acampamento. Durante as escavações, encontrou um fragmento de porcelana onde era visível um “dragão chinês”, o que veio ainda mais fortalecer a convicção daquele caçador de tesouros de que as tais riquezas escondidas pelos piratas se encontravam realmente em Trindade. Consta no relatório de Knight, que o mesmo não acreditou que esse pedaço de porcelana tivesse sido deixado por tripulantes de expedições anteriores, da Áurea ou do Jhon. Na opinião de Knight aquele achado tinha íntima relação com as riquezas escondidas pelos piratas.
Ainda em seu relatório, Knight conta que a ilha se encontrava completamente tomada de caranguejos que durante a noite atacavam os homens no acampamento. Resolveu-se então que cada um matasse de 70 a 100 daqueles vorazes crustáceos, antes de dormir, para saciar a fome dos outros. E essa era a única possibilidade de não serem atacados e assim podiam afinal descansar, uma vez que os caranguejos, devoravam seus “irmãos” durante horas seguidas.
E por semanas revolveram o solo da ilha, sem que achassem o tesouro. De modo que chegou o dia em que Knight, nas proximidades do local mencionado na planta onde se presumia que o tesouro estivesse enterrado, encontrou uma caverna. Porém, cedo, se desvaneceram as esperanças daquele persistente caçador de tesouros, pois a caverna encontrava-se vazia. Knight então foi obrigado a rumar para o porto de Salvador, a fim de reabastecer o Alerte, mas ainda tinha a firme convicção de achar o tesouro da ilha de Trindade. Quando chegou na Bahia, encontrou o Brasil já sob o regime republicano e surpreendeu-se porque, quando de lá saiu para Trindade, ainda vigorava, o governo de Dom Pedro II. Knight tendo suprido seu navio, retornou à ilha oceânica, onde ali permaneceu por mais algumas semanas, pesquisando inutilmente. E finalmente chegou o dia em que ele foi obrigado a regressar à Grã-Bretanha de mãos vazias, porém ainda levando consigo, a convicção de que o tal tesouro se encontrava escondido na ilha; mas o grande e difícil problema, era localizá-lo.
Elísio Gomes Filho é historiador e responsável pelo site www.nomar.com.br (Historiadores do Mar).
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